Entrevista - "Mais da metade das mulheres que sofrem violência não denunciam os agressores"
Defensor geral fala sobre violência contra a mulher e os avanços da Lei Maria da Penha
O fortalecimento do sistema de proteção e defesa dos direitos da mulher, a importância da Lei Maria da Penha para o combate à violência doméstica foram alguns dos temas abordados na entrevista concedida pelo defensor geral do Estado, Aldy Mello Filho, na semana de homenagens à mulher. Na conversa, o chefe da Defensoria Pública Estadual traçou um panorama sobre o atual cenário de desigualdades relacionadas às questões de gênero, ao tempo em que falou sobre a contribuição dada pela instituição para a mudança dessa realidade com o desenvolvimento de ações e programas de valorização do público feminino, dentre eles a instalação do Núcleo de Defesa da Mulher, que este mês completa um ano de atividades.
1 - Mesmo com todos os avanços na aplicação das políticas de defesa dos direitos das mulheres no Brasil, os registros de violência contra o segmento feminino ainda são alarmantes e seguem em ascendência. Quais são as causas mais comuns dessa prática e qual o perfil das vítimas? E o que o senhor acha que deve ser feito para romper este ciclo?
O uso do álcool e o ciúme são frequentemente apontados como fatores que desencadeiam a violência contra a mulher. No entanto, a causa principal está na forma como se educam meninos e meninas. Valoriza-se, no homem, a agressividade e a força física, quando das mulheres espera-se delicadeza, suavidade. A mulher que eventualmente se afasta desse estereótipo, é, muitas vezes, mal compreendida ou mesmo discriminada. A violência nada mais é do que resultado de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres e atinge mulheres de todas as classes sociais. Construir novas roupagens a essas questões de gênero, dentro de um processo pedagógico que respeite e valorize as diferenças, é o grande desafio na prevenção e no combate à violência.
2 O combate à violência contra a mulher continua sendo uma das principais bandeiras levantadas no mês de homenagens a elas, de que forma a Defensoria Pública do Estado vem atuando na promoção dos direitos deste segmento?
Temos um núcleo especializado de atendimento à mulher vítima de violência doméstica, composto por equipe multiprofissional. A mulher que procurar a Defensoria terá assistência jurídica, psicológica e social. Além de postular as medidas de proteção previstas na Lei Maria da Penha, a Defensoria Pública poderá, conforme o caso, ajuizar outras ações de interesse da mulher, como o pedido de pensão alimentícia ou o divórcio, além de formular pedidos administrativos, como encaminhá-la a abrigamento ou a serviços de saúde, por exemplo.
3 - Neste Dia Internacional da Mulher, o que pode ser comemorado por elas? Quais os desafios para tornar as políticas públicas de defesa da mulher ainda mais eficientes?
A mulher vem, ao longo do tempo, ocupando seu espaço no meio social. Temos, hoje, por exemplo, uma mulher no comando do país. As mulheres já são maioria no Brasil, segundo o último senso do IBGE. Apesar disso, ainda recebem salários diferentes a de homens com o mesmo grau de escolaridade, por exemplo. Daí a necessidade de integração entre as instituições do sistema de Justiça Defensoria, MP e Poder Judiciário, com os setores de segurança pública, assistência social, saúde, trabalho, dentre outros, de modo a garantir a presença do Estado na vida de cada mulher, independentemente de sua condição social ou financeira. A interdisciplinariedade de ações nos diversos setores em defesa da dignidade da mulher como cidadã é um desafio que toca a todos nós.
4 - A Lei Maria da Penha já existe há cinco anos e, recentemente, as brechas e dúvidas sobre sua constitucionalidade foram dirimidas com a validação da Lei pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O que na prática isso representará para a atuação dos defensores públicos e demais operadores do Direito?
O STF decidiu pela constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha, que veda a aplicação de institutos despenalizadores em relação aos crimes previstos na lei. Ou seja, segundo o Supremo, em caso de um crime com pena igual ou inferior a um ano, não pode o juiz converter a pena de prisão em pena de prestação de serviços à comunidade, por exemplo. A decisão foi baseada na garantia do princípio da igualdade material entre homens e mulheres. Por outro lado, ao dizer que esses crimes independem de representação da vítima para serem processados, desestimula a denúncia nos casos em que a mulher não deseja, por qualquer motivo, que o agressor seja preso.
6 - O Núcleo de Defesa da Mulher e da População LGBT da Defensoria Pública do Estado (DPE/MA) completou, no início de março de 2012, um ano de atividades. Qual avaliação o senhor faz sobre a atuação do Núcleo?
A demanda vem crescendo. Mas é fato que a despeito da popularização da Lei Maria da Penha, mais da metade das mulheres que sofrem violência não denunciam os seus agressores. A mulher vítima de violência doméstica tem que conviver com a culpa, com o medo, com a vergonha. Há ainda a preocupação com os filhos e a própria dependência financeira ou afetiva do agressor. Assim, são muitos os obstáculos para essa mulher romper o ciclo de violência. Por isso, a criação de um espaço público institucional especializado, no âmbito de uma Defensoria Pública, oportuniza a mulher a chance de reconstruir sua vida.
7 Toda mulher vítima de violência pode procurar a Defensoria, ou somente aqueles que recebem até três salários mínimos?
Sim, qualquer mulher em situação de violência pode procurar o auxílio da Defensoria Pública, principalmente porque na maioria dos casos essa mulher depende financeiramente do agressor, em geral o próprio marido ou companheiro.
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